segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Meio metrinho de onda

Todos os dias de verão eram iguais, mas não sabia que sentiria tanta falta desses dias iguais. Acordava cedo, e estava pronto, tudo estava arranjado no dia anterior. Água, uma mochila pronta para tudo que fosse precisar, e a fiel prancha 5'11 feita pelo Avelino Bastos, que magicamente havia esculpido aquela belezinha de prancha, feita sob medida, ao meu gosto.

O ritual, parecia, ser conhecido até pelos vizinhos, que evitavam a garagem apertada naquela hora da manhã para que nossa saida não houvesse nenhum inconveniente, amarrava a prancha no teto do carro, com um nó firme para a prancha não voar e frouxo o suficiente para não danificar a prancha. O caminho era tão conhecido que de olhos fechados podia fazer detalhadamente referencias ao longo do trajeto, mas enfim a praia, e que praia, aquela que é a única, nome de mulher, com um costão imponete a esquerda, uma pedra que faz vira ponte de encontro aos surfistas mais frequentadores, uma água conhecidamente gelada, mas que beleza de banho de mar. E na areia, ainda não tinha muita gente, porque quem chega na praia as 7:30 da manha? Eu chegava, melhor hora da praia e do mar.

Com uma destreza pouco comum, em menos de 5 minutos estava tudo arrumado e a proteção solar estava feita, rodeado de cadeiras e de um galão de água bem gelada para beber. Em quanto isso eu entrava sem nada me segurando, sem cordinha no pé ou roupa de borracha para proteger do frio da agua do mar, era sempre eu e a prancha. Se jogar num abismo de coisas desconhecidas, que é a correnteza do mar, ela pode até ser previsível mas é desconhecida e junto ao costão eu me largava num ritual diário de prazer e satisfação, quando era a hora certa, subia na prancha e me colocava a remar, uma remada sem pressa e aproveitando cada braçada para medir a temperatura. E do costão até a pedra referencia a vida era revisada pro muitas vezes discussões internas que não se aquietam, ainda bem.

Chegando no local marcado mentalmente, era muito provavel que estivesse só, porque afinal quem chega as 7:45 da manha na praia pra surfar, bem, eu chegava. Sonhava sentado na prancha com os olhos atentos no horizonte com dias melhores, dias que os problemas estivessem solucionados e que a paz finalmente tomasse o espirito, com naquele momento estava tomado. Quando a onda se aproximava, num movimento mecânico, eu remava com força para não perder a onda, então ganhava velocidade, mais velocidade e finalmente podia ficar em pé, com as pernas separadas, e o corpo curvado, me aproximava ainda mais da onda com as mãos deslizando na parede, deixando que a velocidade da onda fosse maior que a minha para ficar dentro dela, por segundos mágicos, eu que a visão fica limitada a um pequeno tubo de água, em que eu me encolhia cada vez mais para ficar da vez mais perto da onda, e hora de sair dali, como tudo que é bom dura pouco, numa fração de segundos senti mais coisas do que uma pessoa possa sentir numa vida inteira, dentro daquele tubo, recarreguei as baterias para voltar remando até o local marcado, para ver de poderia repetir alguma vez o que havia sentido.